As coisas são para nós não apenas o que elas são -
elas são o que achamos que elas são. Isso quer dizer que a nossa atitude para
com as coisas é provavelmente mais importante, afinal de contas, do que as
próprias coisas em si mesmas. Isso é uma peça comum do conhecimento, tal como
uma velha moeda, já desgastada pelo uso, mas que ainda tem sobre si o cunho de
que é verdadeira, e não deve ser rejeitada simplesmente por nos ser tão
conhecida.
É estranho como um fato pode permanecer inalterado, ao
passo que a nossa interpretação do mesmo altera-se com o passar das gerações e
dos anos. Um fato assim é o mundo em que vivemos. Ele existe e tem existido
através dos séculos. Isso é um fato permanente, praticamente inalterado com o
passar do tempo, mas como é diferente a forma pela qual o homem moderno o vê,
em relação à visão que nossos pais tinham! Aqui vemos com clareza quão grande é
o poder da interpretação. O mundo é para todos nós não apenas o que ele é - ele
é o que cremos ele ser E uma tremenda carga de dor ou de felicidade depende da
fornia correta da nossa interpretação.
Um exemplo disso pode ser buscado na experiência
americana. Há uma diferença enorme entre as atitudes tomadas nos dias de hoje e
aquelas dos primórdios da colonização americana. Naqueles tempos, quando o
Cristianismo exercia uma influência dominante sobre o pensamento americano, o
mundo era considerado um campo de batalha. Os primeiros americanos acreditavam
no pecado, no diabo e no inferno como constituindo uma força, e criam em Deus,
na retidão e no céu como sendo outra força. Por sua natureza, essas forças eram
opostas entre si numa hostilidade profunda, séria e irreconciliável.
Os seres humanos de então tinham que escolher um dos
dois lados - eles não podiam manter-se neutros. Para eles tinha de ser vida ou
morte, céu ou inferno, e se optassem por estar do lado de Deus, eles tinham a
expectativa de que teriam que enfrentar uma guerra contra os inimigos de Deus.
A luta seria real e mortal e duraria enquanto a vida permanecesse por aqui. As
pessoas almejavam o céu como um retorno da guerra, como um embainhar das
espadas para em paz desfrutar da vida no lar que lhes havia sido preparado.
Os sermões e os cânticos daqueles dias com frequência
tinham uma qualidade marcial, e muitas vezes um traço de saudade do lar
celestial. Os soldados cristãos pensavam sobre o lar, sobre o descanso e sobre
o estarem juntos com os seus, e suas vozes cresciam em lamentação ao cantarem
da batalha terminada e da vitória alcançada. Mas quer estivessem atacando as
armas do inimigo, ou sonhando com o fim da guerra e com as boas vindas do Pai,
eles nunca se esqueciam de como era o mundo em que viviam - era um campo de
guerra, e muitos eram feridos e mortos.
Essa visão é inquestionavelmente de acordo com as
Escrituras. Mesmo levando-se em conta as figuras e metáforas que são muito
frequentes na Bíblia, é uma clara doutrina bíblica que tremendas forças
espirituais acham-se presentes no mundo. A humanidade, por causa de sua
natureza espiritual, está no meio dessas forças. Os poderes do mal inclinam-se
a nos destruir, ao passo que Cristo está presente para nos salvar por meio do
poder do evangelho. Para sermos libertos temos de colocar-nos do lado de Deus
em fé e em obediência. Resumidamente, era isso que os primitivos americanos
pensavam, e o que, cremos, é o que a Bíblia ensina.
Que diferente é hoje. A realidade permanece a mesma,
mas a interpretação mudou completamente. As pessoas não mais pensam no mundo
como sendo um campo de batalha, mas como um lugar de lazer. Não estaríamos aqui
para lutar; estaríamos aqui para brincar. Não estaríamos num país estrangeiro;
estaríamos em casa. Não estaríamos preparando-nos para a vida, mas já
estaríamos vivendo a nossa vida, e o melhor que poderíamos fazer é livrarmo-nos
de nossas inibições e de nossas frustrações para viver esta vida o máximo que
pudéssemos. Isto, cremos, é um correto resumo da filosofia religiosa do homem
moderno, abertamente professada por milhões e tacitamente aceita por muito mais
pessoas ainda, que vivem de acordo com essa filosofia, mesmo que não a admitam
por meio de palavras.
Esta mudança de atitude em relação ao mundo tem tido e
está tendo uma influência sobre os cristãos, até mesmo sobre os cristãos
evangélicos que professam a fé na Bíblia. Por um curioso malabarismo de
figuras, fazem uma soma de forma errada e ainda assim dizem obter a resposta
correta. Isso parece fantástico, mas é verdade.
A ideia quanto a este mundo ser um lugar de lazer em
vez de um campo de batalha tem sido acatada praticamente pela grande maioria
dos cristãos fundamentalistas. Eles podem respondei" com evasivas quando
diretamente questionados quanto à sua posição, mas a conduta deles os denuncia.
Eles estão querendo percorrer dois caminhos, desfrutar Cristo e o mundo, e com
muita alegria dizem a todos que receber Jesus não requer que renunciem ao seu
divertimento - o Cristianismo seria apenas a coisa mais divertida que se possa
imaginar. O "culto" decorrente de tal visão da vida acha-se tão
deslocado de seu centro como a própria visão em si mesma um tipo de casa de
diversões noturna santificada, sem a champanhe e sem os bêbados de colarinho.
Tudo isso chegou a um ponto que se tornou algo muito
sério, de forma que agora todos os cristãos têm a obrigação de reexaminar a sua
filosofia de vida à luz da Bíblia. Com a descoberta do caminho que é bíblico,
devem ir por ele, mesmo que, para isso, tenham de se desligar de muitas coisas
que tinham aceitado como verdadeiras, mas que agora, à luz da verdade, tenham
se mostrado serem falsas.
Uma visão correta de Deus e do mundo futuro requer que
tenhamos uma visão certa do mundo em que vivemos e do nosso relacionamento em
relação a ele. São tantas coisas que dependem disso que não podemos nos
descuidar a esse respeito.
Fonte: Este Mundo: Lugar de Lazer ou Campo de Batalha?/A. W.
Tozer
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