1. Quando
olhamos para a totalidade da Bíblia, somente uma passagem (Apocalipse 20:1-6)
parece ensinar o reino milenar terreno e futuro de Cristo, e essa passagem em
si mesma é obscura. Não é sábio basear tão importante doutrina em uma passagem
de interpretação incerta e amplamente controvertida.
Mas, como os
amilenistas entendem Apocalipse 20:1-6? A interpretação amilenista vê essa
passagem como referindo-se à presente era da igreja. A passagem é
esta:
E vi descer do céu
um anjo, que tinha a chave do abismo e uma grande cadeia na sua mão. Ele
prendeu o dragão, a antiga serpente, que é o Diabo e Satanás, e o amarrou por
mil anos. Lançou-o no abismo, o qual fechou e selou sobre ele, para que não
enganasse mais as nações até que os mil anos se completassem.
Depois disto é
necessário que ele seja solto por um pouco de tempo. Então vi uns tronos; e aos
que se assentaram sobre eles foi dado o poder de julgar; e vi as almas daqueles
que foram degolados por causa do testemunho de Jesus e da palavra de Deus, e
que não adoraram a besta nem a sua imagem, e não receberam o sinal na fronte
nem nas mãos; e reviveram, e reinaram com Cristo durante mil anos. Mas os
outros mortos não reviveram, até que os mil anos se completassem. Esta é a
primeira ressurreição.Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte na primeira
ressurreição; sobre estes não tem poder a segunda morte; mas serão sacerdotes
de Deus e de Cristo, e reinarão com ele durante os mil anos.
De acordo com a
interpretação amilenista [1], a prisão de Satanás nos versículos 1 e 2 é a
prisão que ocorreu durante o ministério terreno de Jesus. Ele falou sobre
amarrar o valente a fim de poder saquear a casa (Mateus 12:29 - “Ou, como pode
alguém entrar na casa do valente, e roubar-lhe os bens, se primeiro não amarrar
o valente? e então lhe saquear a casa”) e disse que o Espírito de Deus estava
presente naquele tempo em poder para triunfar sobre as forças demoníacas: “Mas
se é pelo Espírito de Deus que eu expulso demônios, então chegou a vocês o
Reino de Deus” (Mateus 12:28). Semelhantemente, com respeito à destruição do
poder de Satanás, Jesus disse durante o Seu ministério: "Eu vi Satanás
caindo do céu como relâmpago” (Lucas 10:18).
O amilenista
argumenta que essa prisão de Satanás em Apocalipse 20:1-3 tem um propósito
específico: “para assim impedi-lo de enganar as nações” (v. 3). Isso,
então, é o que aconteceu quando Jesus veio e o evangelho começou a ser
proclamado não simplesmente aos judeus, mas, após o Pentecoste, a todas as
nações do mundo. De fato, a atividade missionária mundial da igreja e a
presença da igreja na maioria das nações do mundo ou em todas elas mostra que o
poder que Satanás tinha no Antigo Testamento de “enganar as nações” e mantê-las
nas trevas acabou.
Na visão
amilenista, argumenta-se que, como João viu as “almas” e não os corpos físicos
no versículo 4, essa cena deve estar ocorrendo no céu. Quando o texto diz que
“eles ressuscitaram”, não quer dizer que ressuscitaram fisicamente. Isso
possivelmente significa que eles simplesmente “viveram”, já que o verbo no
aoristoezesan pode facilmente ser interpretado como a afirmação de
um evento que ocorreu por um longo período de tempo. Alguns intérpretes
amilenistas, no entanto, tomam o verbo ezesan como
significando que “eles vieram à vida” no sentido de vir a uma existência
celestial na presença de Cristo e começar a reinar com Ele do céu.
Conforme essa
visão, a expressão “primeira ressurreição” (v. 5) refere-se a ir para o céu
para estar com o Senhor. Essa não é uma ressurreição corporal, mas uma ida à
presença do Senhor no céu. De modo semelhante, quando o versículo 5 diz que “o
restante dos mortos não voltou a viver até se completarem os
mil anos”, isso é entendido como se eles não tivessem vindo à presença de Deus
para juízo até o final dos mil anos. Assim, tanto no versículo 4 quanto no 5, a
expressão “voltou a viver” significa ir para a presença de Deus. (Outra posição
amilenista da “primeira ressurreição” é a que se refere à ressurreição de
Cristo e à participação dos crentes na ressurreição de Cristo por meio da união
com Ele).
2. O segundo argumento muitas vezes propostos em favor do amilenismo é o fato de que a Escritura ensina somente uma ressurreição, tanto os crentes como os descrentes serão levantados da morte, não duas ressurreições (a ressurreição de crentes antes de o milênio começar e a ressurreição de descrentes para o juízo após o fim do milênio). Esse é uma argumento importante, porque a posição pré-milenista requer duas ressurreições separada por um período de mil anos.
Evidência a favor
de uma única ressurreição é encontrada em versículos como João 5:28-29, nos
quais Jesus diz: “Não fiquem admirados com isto, pois está chegando a
hora em que todos os que estiverem nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão;
os que fizeram o bem ressuscitarão para a vida, e os que fizeram o mal
ressuscitarão para serem condenados”. Aqui Jesus fala de uma única “hora” em
que tantos crentes como descrentes mortos sairão de suas tumbas (ver também
Daniel 12:2; Atos 24:15).
“E muitos dos que
dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para
vergonha e desprezo eterno” (Daniel 12:2)
“Tendo esperança
em Deus, como estes mesmos também esperam, de que há de haver ressurreição
tanto dos justos como dos injustos” (Atos 24:15)
3. A idéia de crentes glorificados e de pecadores vivendo na terra juntos é muito difícil de aceitar. Berkhof diz: “É impossível entender como uma parte da velha terra e da humanidade pecadora poderá coexistir com uma parte da nova terra e de uma humanidade já glorificada. Como poderão os santos em corpos glorificados ter comunhão com pecadores na carne? Como poderão os santos glorificados viver nesta atmosfera sobrecarregada de pecado e em cenário de morte e decadência?” [2].
4. Se Cristo vem em glória para reinar sobre a terra, então como as pessoas ainda poderiam persistir no pecado? Uma vez que Jesus esteja realmente presente em Seu corpo ressurreto e reinando como rei sobre a terra, não parece altamente improvável que pessoas ainda O rejeitem e que o mal e a rebelião ainda cresçam na terra até o ponto de finalmente Satanás reunir as nações para a batalha contra Cristo?
5. Em conclusão,
os amilenistas dizem que a Escritura parece indicar que todos os
eventos mais importantes que ainda estão por acontecer antes do estado
eterno ocorrerão de uma só vez. Cristo vai retornar, haverá uma só ressurreição
de crentes e descrentes, o juízo final acontecerá, e o novo céu e a nova terra
serão estabelecidos. Então, entraremos imediatamente para o estado eterno, sem
qualquer milênio futuro.
NOTAS:
[1] - Aqui
estou seguindo amplamente a excelente discussão de Anthony A. Hoekema, na obra Milênio:
significado e interpretações, Robert G. Clouse, org. (Editora Cultura
Cristã), p. 141-170.
[2] - Teologia
Sistemática, p. 658.
Fonte: Wayne
Grudem, Teologia Sistemática, Editora Vida.
É UM CASO A SER OBSERVADO
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