“Tem misericórdia de mim, ó Deus, segundo a tua benignidade;
apaga as minhas transgressões, segundo a multidão das tuas misericórdias.
Lava-me completamente da minha iniqüidade, e purifica-me do meu pecado. Porque
eu conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim.
Contra ti, contra ti somente pequei, e fiz o que é mal à tua vista, para que
sejas justificado quando falares, e puro quando julgares. Eis que em iniqüidade
fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe.”
— Salmo 51:1-5
Normalmente é admitido que o Salmo cinqüenta e um talvez seja
a exposição clássica no Velho Testamento sobre a questão do arrependimento. De
fato, há um sentido em que se pode afirmar que talvez ele seja a exposição
clássica sobre este assunto de arrependimento na Bíblia inteira. Ele é o
registro da agonia da alma de Davi, o rei de Israel, após ter sido culpado de
um crime particularmente terrível. Um pequeno sub-título na Versão Autorizada
(Authorized Version) diz: “para o músico-mor, um Salmo de Davi, quando o
profeta Nata veio a ele, após Davi ter possuído a Bate-Seba”. Noutras palavras,
há um sentido em que não podemos compreender verdadeiramente este Salmo e seu
ensino até que tenhamos em mente o pano de fundo que lhe deu existência.
É uma história muito desagradável. Todavia, devo lembrar-lhe dela
porque a vida pode ser desagradável. Infelizmente, todos nós somos capazes de
fazer coisas desagradáveis. A história em sua essência é esta: Davi era o rei
de Israel,e neste momento particular no seu reinado, seus exércitos estavam
ocupados numa guerra. O próprio Davi não estava com o exército; ele tinha
permanecido em Jerusalém. É-nos dito que um dia aconteceu que ele estava assentado
no terraço da sua casa, olhando, aparentemente distraído, à distância, quando
viu uma linda mulher. A mulher era a esposa de um homem que estava combatendo com
os exércitos de Davi contra o inimigo. Davi, tendo olhado, e gostado da mulher,
cobiçou-a e ordenou que ela fosse trazida a ele. Ela veio e ele cometeu
adultério com ela. Ele a seduziu. Então, para cobrir o seu pecado, ele
comunicou com seu comandante-chefe, Joabe, e mandou dizer-lhe que enviasse para
casa Urias, o heteu, o marido daquela mulher. Ele veio e teve uma entrevista
com o rei. O rei, então, o despediu e o mandou para casa.
Mas Urias era um homem honrado e não foi para casa e para sua
esposa. Ele sentiu que não deveria fazer isso quando os exércitos do rei
estavam no campo de batalha e quando talvez o destino de Israel estivesse em
perigo. Ele disse: “Não, não!!!... eu não posso fazer isso”, e ele dormiu na
soleira da porta (do palácio). O rei ouviu isso e fez o pobre homem beber, numa
tentativa de enviá-lo para sua casa. Contudo, novamente Urias recusou. Então
Davi escreveu uma carta para Joabe e a enviou por mãos de Urias. Com efeito,
ele disse: “eu quero ficar livre deste homem; você deve de uma forma ou de
outra colocá-lo à frente da batalha”. Joabe executou a ordem. Organizou para
que Urias, o heteu, e outros, fossem colocados à frente da batalha, onde a
maioria dos homens valentes do exército inimigo estava presente. O pobre Urias
foi morto. Desse modo, Davi obteve o que pretendia, foi satisfeito e tomou a
mulher, Bate-Seba, a esposa de Urias, para ser uma de suas esposas. Tudo
parecia perfeitamente bem. “...porém esta coisa que Davi fez pareceu mal aos
olhos do Senhor” (2 Samuel 11:27).
Davi, entretanto, estava totalmente feliz, até que Deus lhe
enviou o profeta Natã. Natã disse ao rei: “eu tenho algo triste a relatar a
você. Havia dois homens em seu reino; um era um homem rico e tinha grande
rebanho e uma abundância de ovelhas e bois; e havia outro homem, um homem muito
pobre que tinha apenas uma cordeirinha. Ela era um tipo de animal de estimação
para ele. Mas aconteceu que quando alguém fez uma visita para o grande homem
rico, em vez de matar uma de suas próprias ovelhas, ele tomou a cordeirinha do
pobre homem e a matou e preparou-a para seu hóspede. O proprietário pobre foi
esmagado pela dor”. Davi levantou-se irado e declarou: “o homem que cometeu
essa coisa tão monstruosa deve ser punido imediatamente!” Natã, então,
interrompeu-o e disse: “tu és o homem!”, indicando com isso que ele tinha
proferido uma parábola para lembrá-lo e lhe destacar aquilo que ele mesmo havia
feito no caso de Urias, o heteu. Esse é o pano de fundo. Davi, subitamente,
olha-o e é tomado por um sentimento de culpa e horror, e foi nessa condição que
ele escreveu este Salmo cinqüenta e um. Aí está a história, aí o pano de fundo.
Pois bem, espero estudar este Salmo com vocês, porque ele encaminha a nossa
atenção de maneira bem patente e convincente para algumas das verdades básicas
e fatos concernentes à nossa vida neste mundo. Ele esquadrinha especialmente o
grande assunto da nossa salvação.
De acordo com a Bíblia, há certos passos que precisamos dar,
necessariamente, antes que possamos conhecer a salvação de Deus em Jesus
Cristo. Vamos à igreja domingo após domingo, porque estamos interessados na
propagação do evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. Minha única razão para me
levantar no púlpito é que eu creio que aqui neste Livro está contido o caminho
de Deus para a salvação da humanidade. Ele é a coisa principal que o mundo necessita hoje. Ele é a resposta para a
necessidade do homem, e contudo, homens e mulheres o ignoram e o desprezam. Há
muitos que estão interessados nele, e todavia eles não têm experimentado seu
poder e graça salvadora. Por quê? Bem, eu simplesmente respondo que é devido
eles não terem percebido que há certas coisas que devem acontecer antes que um
homem possa experimentar a grande salvação que se encontra neste evangelho. Há
certas coisas que devemos captar, que devemos agarrar, que devemos crer, e a
primeira destas é o arrependimento. Essa é a razão pela qual estamos começando
com este Salmo; devemos ser claros quanto a questão total do arrependimento.
Leiam o caso de qualquer convertido que podem encontrar na
Bíblia, e vocês sempre perceberão que este elemento — o arrependimento — está
presente. Leiam as vidas dos santos, leiam a história de homens que brilharam
na Igreja de Deus em tempos passados, e verificarão que cada homem que
realmente conheceu a experiência e o poder da graça de Deus em sua vida foi
sempre um homem que demonstrou evidência de arrependimento. Portanto eu não
hesito em fazer esta afirmação: sem arrependimento não há salvação. A
necessidade de arrependimento é um daqueles absolutos a respeito dos quais a
Bíblia não discute. Ela simplesmente o afirma. Ela simplesmente o postula. É impossível,
eu afirmo, um homem se tornar cristão sem arrependimento; nenhum homem pode
experimentar a salvação cristã até que conheça o que é arrepender-se. Por
conseguinte, insisto que este é um assunto vital. João Batista quando iniciou
seu ministério começou pregando o batismo de arrependimento para a remissão de
pecados. Essa foi a primeira mensagem do primeiro pregador. Nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo, sabemos pelo relato de Marcos, por Sua vez começou Seu
ministério pregando que os homens deveriam arrepender-se. Arrependimento é
absolutamente vital. Paulo também pregou arrependimento para com Deus e fé em
nosso Senhor Jesus Cristo. Pedro pregou no dia de Pentecoste o primeiro sermão
sob o patrocínio da Igreja Cristã, e quando ele terminou certas pessoas
clamaram, dizendo: “Que devemos fazer?” “Arrependei-vos!” — disse Pedro. Sem
arrependimento não há conhecimento de salvação, não há experiência de salvação.
É um passo essencial. Este é o primeiro passo.
“Muito bem,” diz alguém, “O que você quer dizer quando afirma
que devemos nos arrepender?” Respondo: este Salmo é uma exposição clássica
sobre todo o assunto e doutrina do arrependimento. Neste primeiro estudo, quero
apenas tratar de um aspecto e de um passo daquilo que considero o primeiro
passo no arrependimento. É convicção do pecado, ou, se vocês preferirem, é a
confissão de nossa pecaminosidade. Se se importarem em dar um título a este sermão,
poderiam dizer que iremos tratar da confissão do pecador, nossa convicção de
pecado e a confissão de nossa pecaminosidade.
Aqui, novamente, é algo que não hesito em descrever como um
absoluto essencial. É devido os homens não perceberem o ensino bíblico concernente
ao pecado que eles falham em compreender muitas outras coisas que estão
presentes no evangelho cristão. Há tantas pessoas hoje que afirmam não ver a
necessidade da encarnação; que não compreendem tudo o que se diz a respeito do
Filho de Deus precisar descer para a terra; elas não entendem todo este falar a
respeito de milagres e o sobrenatural; que não compreendem esta idéia da
expiação e termos tais como justificação, santificação e o novo nascimento.
Elas afirmam que não compreendem por que tudo isso parece ser necessário.
Argumentariam da seguinte maneira: “Não seria na Igreja que todas essas teorias
têm sido desenvolvidas, essas idéias puramente abstratas? Não seriam essas as
coisas que tem excitado as mentes dos teólogos? O que elas têm a fazer conosco,
e onde está a relevância prática delas?” Eu gostaria de salientar que pessoas
que falam assim, o fazem porque não tem entendido a verdade acerca do pecado.
Elas não percebem o verdadeiro significado do ensino bíblico a respeito do
pecado. Não percebem que elas mesmas são pecadoras. Mas a Bíblia, em veemente
contraste, insiste constantemente sobre isto do começo ao fim. Na verdade, eu
colocaria o desafio da Bíblia ao mundo moderno nesta forma: ela nos afirma que
a vida do homem, seja individual ou coletivamente, simplesmente não pode ser
compreendida à parte da doutrina do pecado. Aqui nós estamos neste mundo
moderno e complicado; estamos conscientes que alguma coisa está errada, e a
pergunta é: “O que está errado?” Os políticos parecem não ser capazes de
resolver os nossos problemas. Os filósofos estão fazendo perguntas, porém
parece que eles não podem respondê-las. Todos os nossos esforços não conseguem
colocar o mundo em ordem. A Bíblia diz: “Vocês estão ignorando a única coisa
que é a chave para a situação! É o pecado. Eis a causa da angústia dos
indivíduos, dos relacionamentos humanos mais íntimos, dos relacionamentos
internacionais em toda parte. Aí está o problema”.
A Bíblia enfatiza isso em todo lugar, e de uma maneira
admiravelmente honesta. Para mim, isso realmente é uma das coisas mais
extraordinárias, mais fascinantes acerca deste Livro. Ele não encobre nada. Não
posso entender o homem que não crê neste Livro como o Livro de Deus. Ele é
muito honesto. Ele não procura ocultar as faltas de seus maiores heróis. As
Escrituras não tentam construir uma grande imagem de uma série de heróis sem
defeito. A mitologia faz isso e a humanidade normalmente faz o mesmo. Mas a
Bíblia nunca o faz. Ela mostra os homens em suas fraquezas tanto quanto em sua
força. E ela o faz por uma única razão — seu interesse principal não está
nestes homens,absolutamente, porém na verdade de Deus. Quero que vocês vejam
que a idéia comum de que os cristãos reivindicam ser melhores que as outras
pessoas, é uma total caricatura da posição cristã. Ao Invés disso, a posição
cristã é, segundo creio, que estou total e absolutamente perdido sem a graça de
Deus. Eu sou o que sou pela graça de Deus — essa é a afirmação bíblica. O argumento
da Bíblia é que a única esperança para o homem está no evangelho e na graça de
Deus. Este é um evangelho para pecadores.
Há um sentido em que ele nada tem a dizer a um homem, até que esse veja a si
mesmo como um pecador. Noutras palavras, a finalidade de suas afirmações ao
homem, é fazê-lo ver que é pecador. A Bíblia nada tem a dizer a um homem que
não está arrependido. Sua primeira palavra é um chamado ao arrependimento.
Dessa forma, ela trata desta terrível doutrina do pecado.
Seu argumento a respeito do pecado pode ser colocado da
seguinte forma: o pecado é um terrível poder maligno, o pecado é tão terrível,
uma coisa tão poderosa, que leva a todos nós para baixo, pois todo homem que já
viveu neste mundo, se tornou vítima dele. A Bíblia nos diz que o poder do
pecado é tão grande e terrível como isso — que mesmo um homem admirável e
maravilhoso como Davi, o rei de Israel, pode cair no caminho que eu já
descrevi. “Ora,” diz a Bíblia, “até que você perceba, amigo, que está
enfrentando um poder como esse, você não terá começado a pensar corretamente.
Se você não reconhecer que, todo o tempo em que estiver nesta vida e neste
mundo, haverá este terrível poder infernal dentro de você, ao seu redor e sobre
você, então será um mero neófito nestes assuntos! O fato é que aqui neste mundo
há principados e potestades, dominadores deste mundo tenebroso, forças
espirituais do mal nas regiões celestes, tentando, perseguindo e oprimindo
você”.Essa é a doutrina bíblica do
pecado. Essa é a terrível coisa que está revelada para nós neste Salmo. O
primeiro passo é que o homem tem que reconhecer e confessar sua pecaminosidade.
Realmente, este Salmo cinqüenta e um é o que podem denominar,
se quiserem, “Uma oração de um desviado”. Foi a oração de um homem que havia
crido em Deus e experimentado a graciosa direção divina. Trata-se de um homem
que caiu, embora conhecesse a verdade. Mas isso não faz nenhuma diferença. O
que Davi afirma aqui acerca do pecado é sempre verdadeiro a respeito do pecado,
seja ele o pecado de um crente ou de um incrédulo. O pecado nunca muda o seu
caráter, e, portanto, o que Davi diz acerca do pecado é algo que será sempre
uma verdade universal a respeito do pecado. Aqui, então, constatamos os passos
e os estágios através dos quais um homem inevitavelmente passa quando se torna
convencido e convicto do seu pecado. Eu simplesmente quero enumerá-los e
sublinhá-los.
O primeiro passo é este:
o homem chega ao conhecimento e reconhecimento do fato de que ele tem cometido
pecado. Ouçam a Davi no versículo 3: “Porque eu conheço as minhas
transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim”. A primeira coisa,
então, que acontece a um homem quando está convencido e convicto do pecado, é
que ele encara o seu pecado e, na verdade, olha de uma maneira honesta ao que
tem feito. Este relato todo nos mostra que foi exatamente isso que Davi não
fez. Não haveria nisso algo quase inacreditável, que um homem pudesse fazer as
coisas que fez e, no entanto, não encará-las? Certamente,Davi deve ter sentido
que estava fazendo algo errado; todavia, ele o fez! Na verdade, ele nunca
assumiu o fato do delito, e continuou recusando a fazê-lo. E, tendo feito estas
coisas terríveis, Davi ainda não as teria assumido, se Deus não tivesse enviado
o profeta Natã a ele, fazendo com que Davi reconhecesse o seu pecado, dando-lhe
detalhes do mesmo, como tendo acontecido de maneira diferente. Dessa forma,
Davi o reconheceu, e foi humilhado até ao pó. Por conseguinte, escreveu este
Salmo cinqüenta e um. Esse é sempre o primeiro passo. Devemos parar e pensar,
devemos parar por um momento e examinar-nos de frente, encarar a vida que temos
vivido, o que fizemos, e o que estamos fazendo.
Reconheço que isso é muito desagradável, e as pessoas não
gostam de um evangelho que diz coisas como essas. No entanto, se queremos
conhecer a salvação de Deus, temos que nos arrepender, e o primeiro passo é a
convicção de pecado, e a maneira inicial para alguém se tornar convicto de
pecado é parar e olhar para si mesmo. Acaso isso não é espantoso, pergunto
novamente? Como poderia Davi ter feito as coisas que fez sem assumi-las? Eis aí
todas as coisas que ele fez; mesmo assim ele continua a fazê-las. Como pode ele fazer isso? A única maneira de
continuar em tal posição é: recusar-se a assumir o que você está fazendo e, não
parar para pensar. E por isso que eu não denuncio a tão conhecida mania por
prazer, que é apenas uma tentativa da parte de muitas pessoas de fugir desta
autoconfrontação. E desagradável ter que gastar uma noite consigo mesmo e perguntar:
“Que tipo de vida eu estou vivendo? Quais são as coisas que eu afago em minha
imaginação e em minha mente?” Todavia, isso é absolutamente essencial; temos
que parar e encarar a nós mesmos, e a vida que estamos vivendo. Todos nós somos
incrivelmente semelhantes a Davi. Quão fácil é desculpar coisas em nós mesmos,
passar por cima delas e não dar valor a elas. Contudo, ainda somos propensos a
denunciar com fúria as mesmas coisas quando as vemos em outros, ou quando um
caso idêntico está diante de nós. Isso faz parte da natureza humana. Isso é
verdadeiro com respeito a todos nós como resultado da Queda e do pecado.
Projetamos todos esses métodos para poder fugir de nós mesmos.
Deixem-me fazer uma simples pergunta neste ponto: “Amigo,
você tem encarado a si mesmo?” Esqueça as outras pessoas. Levante um espelho
diante de si mesmo, olhe através dele para a sua vida, olhe para as coisas que
você tem pensado, feito e dito, olhe para o tipo de vida que você tem levado.
Está satisfeito com ela? Você aprova na vida das outras pessoas aquelas coisas
que tem feito na sua própria vida? Você as aprovaria como sendo sem defeito? O
primeiro chamado de Deus ao homem, é para que ele seja honesto, pare de
argumentar, e encare a si mesmo. Que o homem examine-se a si mesmo. Sim,
deixem-me ir ainda mais longe, paremos de argumentar sobre religião e teologia,
e simplesmente olhemos para nós mesmos, honesta e sinceramente. Esse é o
primeiro passo. “Eu conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre
diante de mim.” Vocês o têm enfrentado, têm realmente examinado a si mesmos e olhado
para dentro dos seus próprios corações? Não há esperança para um homem que não
faz isso, e a verdade a respeito do mundo moderno é que as pessoas estão fugindo
exatamente disso. As pessoas estão lotando cinemas, lendo novelas — qualquer
coisa para preencher suas vidas e manter a autoconfrontação longe dos seus
pensamentos. Eu declaro que você tem que lutar pela sua vida e tem que lutar
pela sua alma. O mundo fará qualquer coisa para impedir que você encare a si
mesmo. Meu querido amigo, deixe-me apelar a você: olhe a si mesmo. Esqueça as
outras pessoas e as demais coisas. Esse é o passo inicial rumo ao conhecimento
de Deus e à experiência de Sua gloriosa salvação.
Todavia, deixem-me levá-los ao segundo passo. O segundo passo
é um reconhecimento exato do caráter ou
natureza do que nós temos feito. Isso é perfeitamente colocado aqui em três
palavras. A primeira é a palavra “transgressão”, a segunda é “iniqüidade”, e
“pecado” é a terceira. Agora, deixem-me dizer um pouco sobre essas três
palavras.
O que significa “transgressão”? Significa rebelião, significa
a revolta da vontade contra a autoridade, e especialmente contra uma pessoa de
autoridade. Esse é o significado de transgressão. “Apaga as minhas
transgressões.” Noutras palavras, Davi admite que ele transgrediu, admite que
foi rebelde. Ele se rebelou contra uma autoridade, contra alguém. Sua própria
vontade se levantou dentro dele, e ele se manifestou. Ele foi governado pelo
desejo e se permitiu ser influenciado pela concupiscência. Transgressão implica
num desejo de fazer a própria vontade, um desejo de fazer o que queremos fazer,
o que nós gostamos de fazer. Isso
envolve uma escolha deliberada, envolve um ato de contestação ativa. Sempre
significa que fazemos alguma coisa que nossa própria consciência nos diz ser
errada. Isso é um ato voluntário e deliberado de desobediência, uma violação de
autoridade — esse é o significado de transgressão. Todo homem que se arrepende,
percebe que é culpado disso. Ele está disposto a admitir: “Sim, eu fiz isso,
embora soubesse que era errado! Eu sabia que a voz dentro de mim, minha
consciência, dizia não, mas eu o fazia. Eu fui um rebelde, fiz isso
deliberadamente!”
“Iniqüidade”, o que significa? Bem, iniqüidade significa que
um ato está torcido ou que está alterado. Iniqüidade significa perversão, e
isso foi óbvio no caso de Davi. “Lava-me completamente da minha iniqüidade! — a
coisa impura, esse ato terrível. O que havia em mim que me levou a fazer
aquilo? Que distorção, que perversão! Quão pervertido eu devia estar para fazer
aquilo!” Vocês se lembram o que Davi fez. Não preciso me demorar enfatizando o
pecado, sua conduta distorcida, e a perversão disso tudo. E, quanto a isso,
quão verdadeiro é referente a cada ato do qual somos culpados. Vocês e eu não
podemos ser culpados de assassinato, graças a Deus! Não somos culpados de
algumas das outras coisas das quais Davi foi culpado. Mas eu peço que cada um
se examine; acaso não vê que muitas coisas que tem feito são distorcidas e
pervertidas? Você não vê que muitas de suas ações na vida estão erradas? Ciúme,
inveja e malícia — que distorção horrível! Desejar que o mal aconteça a outrem,
que alguém não seja honrado — pensamentos maus, corrupção, distorção, torpeza,
impureza — “iniqüidade”! E todos nós somos culpados de iniqüidade. Porventura
existe alguém que negaria a existência de tal distorção nele, e que tantas das
suas ações tiveram esta horrível distorção e perversão nelas?
Finalmente, a respeito da última palavra, “pecado”. O que
significa pecado? Pecado significa errar o alvo, e essa é uma maneira muito boa
de defini-lo. O pensamento que ele transmite é este: que não estamos vivendo
conforme deveríamos viver. Eis aí um homem apontando para um alvo; eis aí a sua
meta. Ele atira, porém erra o alvo. Ele não acertou na mosca. Isso significa
que nós não somos o que deveríamos ser, que estamos “fora de linha”. Isso é o
que pecado sempre significa. Ele indica que um homem está vivendo uma vida que
não devia viver. Mostra que o homem não está andando na vereda que Deus traçou
para ele. O homem não está indo diretamente para a frente. Ele não mantém um
padrão de retidão. Há um movimento para trás e outro para a frente, há uma
falta de retidão nele. Eu não preciso insistir nesses pontos. Sei que cada
pessoa nesta congregação deve reconhecer que ele ou ela é culpado dessas três
coisas — transgressão (ou rebelião), iniqüidade (ou perversão, distorção, ações
erradas) e pecado (isto é, errar o alvo, não chegar lá, não sermos o que
devemos ser, o que pensamos ser, indo aqui, ali e em qualquer lugar em vez de
irmos onde deveríamos estar indo — diretamente para a frente). O segundo passo
sobre convicção de pecado e sobre confissão de pecado é que o homem reconhece
que esse é o caráter da sua vida e ações.
O passo número três é que o
homem reconhece e confessa que tudo isso é feito contra Deus e diante de Deus. “Contra
ti, contra ti somente pequei, e fiz o que é mal à tua vista.” “Certamente”, diz
alguém, “isso tem que estar errado!” Davi deve ter dito: “Contra Bate-Seba,
contra Urias, contra os homens que foram mortos naquela batalha, contra Israel
e meu povo eu tenho pecado”. Mas ele disse: “Contra ti, contra ti somente...”.
Ah, ele está totalmente certo! Ele não negou que tinha pecado contra os outros,
contudo aqui está indo um passo além disso. Reconhece que suas ações não são
simplesmente ações em si e de si mesmas. Ele percebe que elas não apenas
afetaram e envolveram outras pessoas, mas a essência real é que ele pecou
contra Deus. Então, aqui está a essencial diferença entre remorso e
arrependimento. Um homem que sente remorso é alguém que reconhece o seu erro,
porém não tem se arrependido até que perceba que pecou contra Deus.
Por que ele sentiria assim? Deixem-me tentar responder a
pergunta da seguinte maneira. Pecado, vejam vocês, significa uma violação do
que Deus intentou, e do que Deus pretendeu que o homem fosse. Deixem-me colocar
isso, de uma forma preliminar, da seguinte forma: quando um homem peca, ele não
está somente fazendo certas coisas que não deveria fazer; está pecando contra a
natureza humana, está frustrando-a. Portanto, ele está pecando, contra a
humanidade, e por causa disso, está pecando contra Deus que criou o homem. Deus
criou o homem perfeito, e Deus intentou que o homem vivesse uma vida perfeita.
Ele deu ao homem a possibilidade de viver assim, e quando um homem peca, ele
desagrada a Deus. “Contra ti, contra ti somente pequei.” Eu tenho violado o que
Deus tencionou que o homem fosse. Estou torcendo e pervertendo a criação de Deus.
Toda vez que eu peco, estou violando a santa lei de Deus. Os dez mandamentos, a
lei moral, a idéia comum de decência na natureza humana — tudo isso procede de
Deus. Vejam só, todos nós sabemos disso, e a cada momento eu sou culpado de
transgressão, ou iniqüidade, ou pecado; estou violando a santa lei de Deus, e o
plano estabelecido para a vida do homem. De fato, eu também estou violando,
como lhes tenho lembrado, minha consciência dentro de mim. A consciência foi
colocada por Deus em mim. Não fui eu que a coloquei. Quão freqüentemente temos
desejado não ter uma consciência! Mas ela existe. Vocês conhecem aquela voz
interior que fala e lhes diz que certa coisa não deve ser feita. Se fizerem
essa coisa, estarão violando o preceito de Deus. Isso também é pecar contra
Deus, porque significa que fazemos todas essas coisas a despeito da Sua bondade
para conosco. Penso que essa foi a coisa que quebrantou o coração de Davi mais
do que qualquer outra. Deus havia sido tão bom para com ele. Ele era
simplesmente um jovem pastor de ovelhas e Deus fez dele rei deste grande reino
e lhe concedeu abundantes bênçãos. Davi, no entanto, confessou: “Eu tenho feito
essa coisa terrível”. Ele disse: “Contra ti, contra ti somente pequei”.
Meu amigo, Deus lhe tem dado o dom da vida. Você não trouxe a
si mesmo para esse mundo, e você é uma personalidade única. Ele tem derramado
Suas bênçãos sobre você. Ele colocou você numa família, envolvendo você de
amor. Ele tem dado a você alimentação e abrigo. Ele poderia ter-lhe negado tudo
isso. Pense na bondade de Deus que tem sido concedida a você de diferentes
maneiras! E nós ainda O desprezamos! Pecamos contra Ele e contra Sua
maravilhosa bondade, benignidade e amor para conosco!
Qual é o próximo passo? O próximo passo é que o homem descobri que não tem absolutamente
nenhuma desculpa, nenhum direito. “Contra ti, contra ti somente pequei, e
fiz o que é mal à tua vista, para que sejas justificado quando falares, e puro
quando julgares.” Noutras palavras, Davi está dizendo a Deus: “Eu não tenho
desculpa nenhuma. Eu não tenho direito. Nada há a ser dito por mim. Não há
argumento para o que eu tenho feito. A coisa toda foi o resultado da total
teimosia. Estou inteiramente errado. Nada tenho para pleitear a favor duma
mitigação”. Quero enfatizar isso. Afirmo que isso é uma parte absolutamente
essencial do arrependimento e da convicção de pecado. Por conseguinte, insisto
com vocês para que examinem a si mesmos e suas ações. Podem justificar tudo o
que têm feito? Vocês realmente podem pleitear uma mitigação? Deixem-me assumir
a posição de Natã, o profeta. O que sucederia se eu me levantasse neste púlpito
e descrevesse sua vida para vocês mediante uma parábola acerca de outra pessoa?
Vocês entenderiam isso? Devemos examinar a nós mesmos a esse respeito.
Deixem-me falar francamente, colocando a situação da seguinte forma: enquanto
estiverem na posição de tentarem justificar-se, nunca terão se arrependido.
Enquanto estiverem se apegando a qualquer tentativa de auto-justificação e
justiça própria, afirmo que não terão se arrependido. Certamente, o homem que
está arrependido é aquele que, com Davi, diz: “Não há uma simples desculpa.Eu vejo
isso claramente. Eu não tenho justificação.As coisas que vejo em minha vida — eu
as odeio, não tenho o direito de fazê-las, eu as faço deliberadamente, sei que
estou errado. Admito isso! Eu francamente confesso isso — “para que sejas justificado
quando falares, e puro quando julgares”. Acaso você sente, meu amigo, que Deus
é um tanto duro quando Ele o condena? Você sente que Deus estaria sendo injusto
se você a final viesse a se achar no inferno? Se você pensa assim, então ainda
não se arrependeu. Eu reafirmo que o teste do arrependimento é este: que um
homem tendo olhado a si mesmo, e o seu próprio coração e vida, diz para ele
mesmo: “eu nada mereço senão o inferno, e se Deus me enviar para lá não tenho
uma simples reclamação a fazer. Não mereço outra coisa!” Essa é uma parte
essencial do arrependimento, e sem arrependimento não há salvação. O homem, eu
afirmo, que se sente convicto do pecado, é o homem que segue esses passos. E
isso me leva ao último passo.
O último passo é que o
homem percebe e reconhece que sua natureza é essencialmente má. “Eis que em
iniqüidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe.” Vocês vêem os
passos? A primeira coisa é que o homem para e assume os fatos, ele olha para si
mesmo. Então, no segundo passo, ele reconhece as ações das quais tem sido
culpado e as admite como sendo errôneas em três aspectos. E então ele diz:
“Sim, mas isso envolve Deus, e eu tenho pecado contra Deus”. O próximo passo
vem quando ele admite: “Eu não tenho nenhum direito ou desculpa”. Mas, então
ele pergunta a si mesmo: “O que me fez praticar isso? O que me levou àquilo? O que
há em mim que me torna capaz de todas essas coisas — ciúme, inveja, ódio, malícia,
avareza, desejo, concupiscência, paixão?” Por último, ele volta para si,
observa isso, e declara: “Minha natureza deve ser corrupta, meu coração deve
ser mau! Não é o mundo fora de mim, é algo dentro
de mim que está corrompido!” Noutras palavras, o último passo quanto à
convicção de pecado é que o homem sobe de uma conscientização dos seus pecados
para uma conscientização do pecado e
de sua total desvalia.
O último passo é o que Paulo descreveu no sétimo capítulo da
Epístola aos Romanos: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não
habita bem algum... Miserável homem que eu sou! quem me livrará do corpo desta
morte?” (versículos 18 e 24). Ou seja, ele declara: “dentro de mim eu sou
corrompido, eu sou impuro, meu coração é sujo. Não é simplesmente que eu faço
as coisas que eu não deveria fazer, o problema está em mim mesmo. O problema é
que eu desejo fazer essas coisas, eu quero fazê-las. Por quê? Porque há algo em
mim que atende à atração do mal. E isso o que me aborrece. Eu sou capaz disso e
gosto disso. É o meu coração, não é o mundo”. Como Shakespeare o colocou: “O erro, querido Brutus, não está em nossas
estrelas Mas em nós mesmos, que somos inferiores.”
“Eis que em iniqüidade fui formado, e em pecado me concebeu
minha mãe.” A partir do momento do meu nascimento neste mundo, há uma tendência
em mim para o mal; há algo torcido e pervertido. Isso está em mim; faz parte do
meu ser e natureza. Esses, então, são os passos na convicção de pecado e na confissão
de pecado.
Você percebe a verdade do que tenho tentado dizer, será que
não quer clamar como Davi: “Tem misericórdia de mim, ó Deus”? Essa é a coisa
certa, a única coisa a fazer, meu amigo. Se você se vê como alguém que tem
pecado, então, eu o imploro, corra para Deus, lance-se sobre a Sua
misericórdia. Você não fará isso em vão. Descobrirá que Ele fez total provisão
para você. Ele enviou o Filho do Seu amor a este mundo justamente por você,
para morrer pelo seu pecado no monte do Calvário. Seu pecado foi punido, Ele o
cancelou na cruz, Ele purificará você e fará você alvo como a neve, Ele o dará
todas as coisas que necessitar. Corra para Ele. Se você tem visto sua
necessidade, fará isso. O homem que vê isso, como Davi viu, imediatamente
clama: “Tem misericórdia de mim, ó Deus... purifica-me”. Faça o mesmo e sua
oração será gloriosamente respondida, e você experimentará a alegria da grande
salvação de Deus.
Fonte: O Clamor de um
Desviado, Estudos sobre o Salmo 51 - D. M. Lloyd-Jones. PES - Publicações
Evangélicas Selecionadas
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