Por Vincent
Cheung
Há numerosas
passagens na Bíblia
que são importantes
para desenvolver um entendimento apropriado do
discipulado cristão e,
assim, pode parecer enganoso intitular
o presente ensaio O Significado do Discipulado, quando somente
algumas passagens tais, e uma em
particular, receberão nossa
atenção. Não obstante,
para transmitir o
intento desta peça escrita, mas, ao mesmo tempo, evitar
qualificações inconvenientes dentro do próprio título, deixaremos esse
como está e
prosseguiremos para ver
o que podemos
descobrir acerca do significado, ou pelo menos de parte dele,
de ser um discípulo de Jesus Cristo.
Adotaremos como
nosso texto principal Lucas
9:57-62, onde está
escrito: “Quando andavam pelo
caminho, um homem lhe disse: ‘Eu te seguirei por onde quer que fores’. Jesus respondeu: ‘As
raposas têm suas
tocas e as
aves do céu
têm seus ninhos,
mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça’. A
outro disse: ‘Siga-me’. Mas o homem respondeu: ‘Senhor, deixa-me
ir primeiro sepultar
meu pai’. Jesus
lhe disse: ‘Deixe
que os mortos sepultem os seus próprios mortos;
você, porém, vá e proclame o Reino de Deus’. Ainda outro disse: ‘Vou seguir-te,
Senhor, mas deixa-me primeiro voltar e despedir-me da minha família’. Jesus
respondeu: ‘Ninguém que põe a mão no arado e olha para trás é apto para o Reino
de Deus’”.
Lucas
registra aqui diálogos
entre Jesus e
três candidatos a
discípulo, e parece
que todos eles tinham
certas falhas em
seu compromisso em
seguir a Cristo
que, a menos
que tomassem cuidado com elas, fariam com que o verdadeiro discipulado
se tornasse impossível. São tais falhas que gostaríamos de examinar a
seguir, a fim de podermos reconhecer
falsas promessas de lealdade a Cristo tanto em nós mesmos quanto em outros.
A primeira pessoa
vem a Jesus
e diz: “Eu
te seguirei por
onde quer que
fores”. Naqueles dias os indivíduos tendiam a ir à busca de seus
próprios professores ou mestres, e havia aqueles filósofos que tentavam
“repelir possíveis discípulos com exigências enormes, com o fim de testá-los e
adquirirem para si os mais dignos”.1 Visto que a Escritura diz que Jesus “conhecia
a todos” e que “sabia
o que havia
no homem”, (João
2:24,25), podemos esperar que
sua réplica a esse primeiro
candidato fosse dirigida
ao maior obstáculo
que o impedia de oferecer devoção
genuína a Cristo.
Por
exemplo, quando “um homem importante” se aproxima de Jesus e pergunta: “Que farei para
herdar a vida
eterna?” (Lucas 18:18),
sua resposta reflete
uma capacidade para diagnosticar a exata condição do coração
de alguém: “Falta-lhe ainda uma coisa. Venda tudo o que você possui e dê o
dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro nos céus. Depois venha e siga-me” (v.
22). Mas o
homem não consegue obedecer a
Cristo: “Ouvindo isso,
ele ficou triste, porque era
muito rico” (v. 23).
Voltando
à pessoa em nossa passagem, Jesus lhe diz: “As raposas têm suas tocas e as aves
do céu têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça”
(Lucas 9:58). Não podemos
saber precisamente o
que esse indivíduo
tinha em mente
quando se ofereceu para seguir a
Jesus, mas parece que ele não estava preparado para adotar o estilo de vida que
era imposto para alguém ser um discípulo de Jesus naquela época. Jesus lhe diz
que não tem um lar próprio em suas viagens, e que deve depender da
hospitalidade e do apoio de outros.
Tornar-se um seguidor de Jesus necessariamente significaria sujeitar-se a si
próprio a essa difícil maneira de viver.
Muitos
professam ser discípulos de Cristo pelas razões erradas. Eles podem ter falsas expectativas
com respeito a alguém que siga a Cristo, tal como alcançar uma vida de fama, bens
e reconhecimento. Que alguns cristãos sejam sim bem-sucedidos de acordo com
padrões mundanos somente serve para confirmar tais expectativas naqueles que se
tornam cristãos por motivos errôneos. Não é que os cristãos não devam ser
famosos ou prósperos, mas que não se deve ter tais coisas em mente ao responder
ao chamado de Deus.
O homem
moderno não é
apenas o único
que tem ilusões
sobre o que a vida
cristã possa trazer. Jesus diz em João 6:26,27: “A verdade é que vocês
estão me procurando, não porque viram os sinais miraculosos, mas porque comeram
os pães e ficaram satisfeitos. Não trabalhem pela comida que se estraga, mas
pela comida que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do homem lhes
dará. Deus, o Pai, nele colocou o seu selo de aprovação” (João 6:26,27). Aqui,
Jesus percebe que a multidão o seguia não “pela comida que permanece para a vida eterna”,
mas porque eles
haviam comido o
pão milagrosamente produzido
por Jesus antes. Entretanto,
o verdadeiro discipulado
é tal que não
se trabalha “pela
comida que se estraga, mas pela comida que permanece
para a vida eterna”.
Conhecendo as
falsas expectativas que
muitos podem ter
concernente à caminhada cristã, Jesus adverte: “Qual de
vocês, se quiser construir uma torre, primeiro não se assenta e calcula o
preço, para ver se tem
dinheiro suficiente para
completá-la? Pois, se
lançar o alicerce e não for capaz
de terminá-la, todos os que a virem rirão dele, dizendo: ‘Este homem começou a
construir e não foi capaz de terminar’...
Da mesma forma, qualquer de vocês que não renunciar a tudo o que possui
não pode ser meu discípulo”. Quem não “renunciar a tudo” não pode ser um
verdadeiro discípulo de Cristo.
Devemos
ouvir essa frase novamente, numa época em que o apelo do púlpito para que as
pessoas se tornem cristãs é proclamado como se apenas se exigisse uma decisão
simples para aceitar alguma coisa, ao invés de um compromisso com uma total
transformação tanto de pensamento
quanto de conduta.
Jesus repetidas vezes
deixou claro suas
exigências para aqueles que o
seguiriam, e é estranho como suas chocantes palavras são freqüentemente lidas com interesse,
mas de um
modo que não
consegue desafiar e
convencer a nós.
Devemos afirmar que Jesus quer dizer o que diz, e que realmente não se
pode ser seu discípulo e ao mesmo tempo violar as condições que ele
apresenta: “Se alguém vem a mim e ama o seu pai, sua mãe, sua mulher, seus
filhos, seus irmãos e irmãs, e até sua própria vida mais do que a mim, não pode
ser meu discípulo. E aquele que não carrega sua cruz e não me segue não pode ser
meu discípulo” (Lucas 14:26,27).
Repetindo, não
estamos dizendo que
ser um discípulo
de Cristo necessariamente acarrete pobreza ou certos
tipos de sofrimento. Muitos cristãos são bem prósperos, levando vida relativamente
confortável, enquanto outros
diariamente correm o
risco de martírio.
A questão é, quando você promete a Jesus: “Senhor, eu te seguirei por
onde quer que fores”, sabe de fato o que está dizendo? Você está reconhecendo
seu total senhorio sobre sua vida, e se dedicando a cumprir seus ensinamentos?
Ou supõe que ele seja um instrumento com que você realizará
suas próprias aspirações
carnais? A vida
de alguns cristãos
não reflete dedicação total a
Cristo, mas somente um desejo para justificar sua perseguição às próprias visões de
grandeza para si
mesmos, ao produzirem
uma versão cristianizada
do “sonho americano”.
Após
lidar com os primeiros candidatos a discípulo, Jesus pede a um segundo homem que o
siga. “Mas o
homem respondeu: ‘Senhor,
deixa-me ir primeiro
sepultar meu pai” (Lucas 9:59). Em primeiro lugar, se o
pai daquele homem tinha acabado de falecer, ou se a família estava
atravessando o período de luto,
então ele não
estaria ali falando
com Jesus. Entretanto, um
ano após o
enterro inicial do
morto, após a
carne do cadáver
ter ficado decomposta, o filho
voltaria e colocaria os ossos numa caixa especial para ser enterrada outra vez
numa abertura na parede do túmulo. Em outras palavras, o homem pode estar requisitando
até um ano de demora antes que seguisse a Jesus. Mas, se o seu pai está ainda
vivo e ele está primeiro esperando seu falecimento, então a demora solicitada
seria indefinida em extensão.
Na mente
dos judeus, é
a sagrada obrigação
dos filhos comparecer
ao enterro dos próprios
pais e, por
conseguinte, o que
essa pessoa diz
parece demonstrar uma
nota de piedade filial que não
pode ser culpada. Entretanto, Jesus dá essa chocante resposta: “Deixe que os mortos
sepultem os seus
próprios mortos; você,
porém, vá e
proclame o Reino
de Deus” (v. 60). A frase contém um jogo de palavras com os dois casos
da palavra “mortos” tendo diferentes sentidos.
O primeiro
“mortos” é figurado.
Pode referir-se a
indiferença de alguém,
falta de relação, ou mesmo
hostilidade para com uma coisa; ou a palavra pode ser usada para indicar uma falta
de influência de
algo sobre a
pessoa. A parábola
do Filho Pródigo
fornece um exemplo de tal uso:
“Pois este meu filho estava morto e voltou à vida; estava perdido e foi achado” (Lucas
15:24). Estar “morto”
no sentido aqui
empregado é estar
“perdido” espiritualmente. O segundo caso da palavra deve ser tomado
literalmente como se referindo à morte física, visto que o objeto do enterro é
o fisicamente morto.
A
declaração de Jesus no versículo 60 pode, portanto, ser parafraseada assim:
“Deixe que os espiritualmente mortos
enterrem os fisicamente
mortos, mas você
deve ir e
pregar acerca do reino de Deus”. Ou, como Leon Morris escreve: “Deixe
aqueles sem discernimento espiritual desempenharem as obrigações que eles sabem
fazer tão bem; enterro é bem aquilo que os espiritualmente mortos podem
observar. Mas o homem que tem a visão não deve negar ou retardar seu chamado
celestial”.2
A
exigência de Jesus de colocá-lo acima da honra de alguém pelo pai viria a ser
um grande choque à mente judaica, tanto quanto o é ao moderno não-cristão. “A
linguagem, não menos do que a exigência é intransigente a ponto de serem
ofensivas”.3 Mas dado que isso é o que
Jesus requer, tal
nível de comprometimento não
deve ser considerado
como extraordinário ou opcional; antes, ele o exige como um
pré-requisito para o discipulado a fim de que uma pessoa não ponha nada nem
ninguém antes dele, nem mesmo os próprios pais.
Lucas
14:26 diz: “Se alguém vem a mim e ama o seu pai, sua mãe, sua mulher, seus filhos, seus
irmãos e irmãs,
e até sua
própria vida mais
do que a
mim, não pode
ser meu discípulo”. Alguém
que recusa por
Cristo em primeiro
lugar não é
apenas um discípulo inferior; ele não pode ser seu discípulo em
absoluto. Aí, muito da pregação contemporânea falha em
não esclarecer isso
para sua audiência:
que a fé
genuína não é
uma “decisão” superficial para
aceitar a Cristo como salvador, mas um verdadeiro assentimento mental ao evangelho como
um todo, reconhecendo
a reivindicação de
Deus sobre a
pessoa inteira, advindo da
anterior regeneração do coração pelo Espírito Santo. A propagação de um falso evangelho
tem levado ao ingresso de numerosos falsos convertidos para dentro da igreja. A
recusa de fazer um compromisso imediato e total indica uma falta de
sinceridade, e expõe o fato de que ainda não se fez do seguir a Cristo a
prioridade primeira na vida.
Amiúde
ouvimos dos cristãos professos que gostariam de protelar o oferecimento de seus serviços
a Deus. Há
algumas desculpas óbvias, tais
como, que primeiro
eles desejam desfrutar de
tudo que o
mundo tem a
oferecer, ainda que
a Bíblia diga
que a satisfação derivada dos
pecados seja apenas “prazeres transitórios”
(Hebreus 11:25, ARA).
Por outro lado, há aqueles que
inventam o que parecem ser razões “nobres” para não levarem sua fé com sinceridade
de imediato. Alguns
deles podem dizer
que conseguem servir
melhor ao reino de
Deus devotando suas
energias para a
geração de riquezas,
pelas quais eles
então contribuem para com a difusão do evangelho. Outros dão desculpas
similares.
Eles argumentam que o efeito
em longo prazo de
seus planos justificará
a presente condição espiritual
deles. Disparate! Vamos acreditar que os fins justificam os meios, tais que nós —
não, Cristo mesmo
— devamos tratar
com leviandade a
atual negligência deles
na oração, suas doutrinas heréticas, suas práticas moralmente repreensíveis
nos negócios e outras tais? Se Cristo sequer permite que o enterro do próprio
pai se torne uma razão legítima para a demora temporária em segui-lo, todas as
outras razões propostas são desculpas inaceitáveis.
Eles não
desejam renunciar a Cristo abertamente,
mas ainda se
recusam a segui-lo
no presente. Dizer que o protelar de alguém em servir a Deus
definitivamente resultará em maior serviço a ele é apenas uma tentativa de dar
uma face atraente à desobediência explícita contra Deus.
Alguns
podem, todavia, tentar
justificar a si
mesmos alegando que
estão servindo a Cristo “do seu
próprio jeito”. Porém, uma vez mais, estão somente pondo um rótulo espiritual na
obra que eles gostariam de fazer em primeiro
lugar, contribua ela à causa cristã ou não. Mas, pela nossa passagem,
entendemos que o “serviço no reino de Deus” (v. 62) é equivalente a “proclamar
o reino de Deus” (v. 60).
Não
é querer dizer que todos devam entrar no ministério de tempo integral — dado o deplorável
nível de espiritualidade e de compreensão teológica dos cristãos da atualidade,
é melhor que a maioria deles continue de fora, permanecendo onde estão. Em todo
caso, pode-se ser um fiel discípulo de Cristo como trabalhador da construção
civil, profissional da área médica ou
ministro cristão. Contudo,
a questão é que aqueles
que alegam estar
servindo a Cristo “de
sua própria maneira”,
quando oposta à
maneira explicitamente prescrita
pela Bíblia, estão apenas seguindo suas agendas pessoais em nome de
Cristo. Tal coisa pode tomar diferentes formas, de empreendimentos de negócios
a projetos humanitários.
Devemos perguntar
a nós mesmos:
nossos planos e
metas estão honestamente consistentes com
a causa de Cristo?
Realmente temos interesses
do reino de
curto e longo prazos em mente? Ou estamos
simplesmente aliviando nossa consciência descrevendo nossas ambições egoísticas
em vernáculo cristão?
Quem não está
ativamente trabalhando sua espiritualidade pessoal e contribuindo de
alguma forma para o avanço do reino de Deus agora mesmo não é um
discípulo de Cristo.
O ensinamento
bíblico faz com
que fiquem inaceitáveis
todas as razões
propostas quanto ao porquê alguém
deve protelar em
dar à própria
fé o primeiro
lugar na escala
de prioridades. A maioria
das desculpas que
ouvimos hoje nem
mesmo remotamente soa
tão nobre quanto àquela dada pelo
segundo candidato a discípulo. A escusa “deixe Jesus esperar até que eu fique
rico e famoso” não ficará de pé debaixo do julgamento divino, mesmo se alguém
planeja dar a maioria dos lucros a ele —
“Ele não é servido por mãos de homens, como
se necessitasse de
algo” (Atos 17:25).
A única maneira
aceitável de servir
a Deus é aquela por ele prescrita. Em outras
palavras, dê-lhe o que ele exige, não o que você acha que ele deva exigir.
Aqueles que imaginam que Cristo permite qualquer flexibilidade nessa área simplesmente
não são, nem podem ser, seus discípulos.
Vamos
agora ao diálogo entre Jesus e o terceiro candidato: “Ainda outro disse: ‘Vou seguir-te, Senhor,
mas deixa-me primeiro
voltar e despedir-me
da minha família’.
Jesus respondeu: ‘Ninguém que põe a mão no arado e olha para trás é apto
para o Reino de Deus’” (Lucas 9:61,62). Muitos comentaristas percebem nessa
passagem uma alusão ao chamado de Eliseu
(1Reis 19:19-21) mas,
ao passo que
foi permitido a
ele por Elias
dar adeus à sua família
e aos seus amigos, Jesus não permite nem mesmo isso.
Essa
pessoa dá o que, mais uma vez, parece ser uma razão aceitável, da perspectiva
do não-cristão, para adiar o compromisso pleno com Jesus. Contudo, damo-nos
conta agora de que nada que ponha um
“mas primeiro” antes
do chamado do
Senhor é aceitável.
Quando Deus chama um homem, não há nada que venha antes da obediência a
tal chamado. Não deve haver nenhum “mas primeiro”, não importa o que isso possa
ser, visto que a ordem divina é primeira.
Jesus
responde ao homem dizendo: “Ninguém que põe a mão no arado e olha para trás é
apto para o Reino de Deus”. O típico arado de mão era feito de madeira, de peso
leve e, freqüentemente, tinha uma ponta de ferro. Seu uso apropriado requer
ininterrupta atenção do lavrador, guiando o instrumento com sua mão esquerda, e
aguilhoando os bois com a direita. Desviar
o olhar imediatamente
resultaria num sulco
torto. A afirmação
de Jesus também contém
uma referência à
mulher de Ló:
“Lembrem-se da mulher
de Ló! Quem tentar conservar a
sua vida a perderá, e quem perder a sua vida a preservará” (Lucas
17:32,33).
A metáfora
é uma figura
do que acontece
na alma de
uma pessoa. O
caso é o de alguém
que hesita em deixar para trás sua vida anterior para buscar a Cristo. Escreve
Paulo: “Mais do que
isso, considero tudo
como perda, comparado
com a suprema
grandeza do conhecimento de
Cristo Jesus, meu Senhor, por quem perdi todas as coisas. Eu as considero como esterco
para poder ganhar
Cristo e ser encontrado
nele, não tendo
a minha própria justiça que procede da Lei, mas a que
vem mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus e se baseia na fé”
(Filipenses 3:8,9).
Note
que ter uma justiça “que vem mediante a fé em Cristo” não é uma meta a ser alcançada
após se tornar um cristão, mas, antes de tudo, o que significa tornar-se um
cristão. Devemos abandonar a má compreensão
de que se
é salvo aceitando
o evangelho em concordância superficial. Ser um cristão,
absolutamente, é considerar “considero tudo como perda, comparado com a suprema
grandeza do conhecimento de Cristo Jesus...”.
Enganados
pelo falso evangelho pregado em muitos púlpitos hoje em dia, alguns têm a idéia
de que se pode tornar primeiro um cristão, e então, como acréscimo opcional,
escolher se tornar alguém
completamente dedicado. Ou,
pode-se ter salvação
como um “cristão comum”, mas se tornar um “discípulo”
posteriormente. A Bíblia desconhece tal cristianismo. Jesus diz: “Da mesma
forma, qualquer de vocês que não renunciar a tudo o que possui não pode ser
meu discípulo” (Lucas
14:33). O verdadeiro
assentimento ao evangelho
requer conformidade a
todas as exigências
inerentes à mensagem
evangélica, e que
é o reconhecimento da
reivindicação divina sobre
a pessoa toda.
Ainda que não
se espere a perfeição sem pecado, uma radical (pela
raiz)∗
mudança de direção ocorre na mente na hora da conversão, ou então não ocorreu
conversão em hipótese alguma.
Grandemente
preocupado com o grande número de falsos convertidos introduzidos na igreja nos
anos recentes através
de uma mensagem
do evangelho distorcida,
“que, na realidade, não é o
evangelho” em absoluto (Gálatas 1:7), Ernest Reisinger escreve: “Quando aqueles
que são declarados convertidos não agem como crentes, não amam o que os crentes
amam, nem odeiam o que os crentes odeiam... deve-se encontrar uma outra
explicação além de chamá-los a se decidirem em favor de Cristo. Isso eles já
fizeram e já foram declarados “cristãos” pelo pregador ou obreiro que os
evangelizou. Quando eles não agem como crentes, algo está errado. O que é? A
doutrina que procurei refutar afirmar que tais pessoas são apenas “crentes
carnais”; não fizeram de Cristo o “Senhor” de suas vidas... Com muita
freqüência o evangelismo moderno substitui a “decisão” pelo arrependimento e
pela fé salvadora... O poder do
evangelho neo-testamentário motivará
os homens a
não descansarem até
que tenham evidências bíblicas de
que nasceram de Deus. Ele perturbará aqueles que, sem boas razões, acreditaram que
já eram crentes.
Despertará pessoas desviadas,
afirmando que existe
a possibilidade de que
jamais serão crentes
verdadeiros, enquanto permanecem
nessas condições... Não há
certeza maior do
que esta: um
coração não-transformado e
uma vida mundana levarão
os homens ao
inferno.. Não é
apenas no mundo,
hoje em dia,
que o evangelismo é necessário.
Ele é necessário na própria igreja”.4
A
próxima vez em que você estiver na igreja, olhe ao seu redor — em alguns
lugares, a maioria das
pessoas será de
falsos crentes, que
nunca foram regenerados por Deus.
Não importa se pareçam ser fervorosos na oração, atentos ao sermão, ou
que durmam durante o culto. Se nunca houve uma radical transformação dentro de
sua alma, então ela está destinada ao inferno. O melhor ainda é: “Examinem-se
para ver se vocês estão na fé; provem-se a si
mesmos. Não
percebem que Cristo
Jesus está em vocês? A
não ser que
tenham sido reprovados!”
(2Coríntios 13:5).
Este não
é o lugar
para uma completa
teologia sistemática sobre
a verdadeira conversão-justificação-santificação∗, mas por ora basta citar esta terrível
citação dos lábios de Jesus: “Nem todo
aquele que me
diz: ‘Senhor, Senhor’,
entrará no Reino
dos céus, mas apenas aquele que faz a vontade de meu
Pai que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: ‘Senhor, Senhor, não
profetizamos em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios e não realizamos
muitos milagres?’ Então eu lhes direi claramente: Nunca os conheci. Afastem-se de
mim vocês, que praticam
o mal!” (Mateus
7:21-23). Não é
isso um pronunciamento horripilante? Como
manda o apóstolo
Paulo: “ponham em
ação a salvação
de vocês com temor
e tremor” (Filipenses
2:12). Mas os
eleitos não precisam
ser oprimidos com
terror: “pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o
realizar, de acordo com a boa vontade dele” (v.
13). Jesus é, a um só tempo, “autor e consumador da nossa fé” (Hebreus 12.2).
Voltando
ao nosso texto, o teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer observa: “O terceiro aspirante
a discípulo... cai numa inconsistência desesperançada, pois ainda que esteja pronto
o suficiente para compartilhar
a sorte de
Jesus, ele consegue
colocar uma barreira
entre si mesmo e
o Mestre... O
discipulado para ele
é uma possibilidade
que somente pode
ser realizada quando certas
condições forem cumpridas...
O discípulo coloca
a si próprio
à disposição do Mestre, porém, ao mesmo tempo, retém o direito de ditar
seus próprios termos. Mas então o discipulado não é mais discipulado, mas um
programa de nós mesmo disposto para que se nos seja adequado. O problema com
esse discípulo é que, ao mesmo tempo em que ele expressa sua prontidão em
seguir, ele cessa de querer fazê-lo de todo... Discipulado significa adesão a
Jesus somente, e de imediato”.5 Aqueles que ditam as condições e o tempo para
o discipulado não podem ser discípulos de Cristo.
Jesus
diz que um verdadeiro discípulo não olha para trás. Assim como o trabalho do lavrador
exige que a sua atenção à tarefa não seja dividida com outra coisa, também quem
“olha para trás” não está qualificado para o serviço do “Reino de Deus” (v.
62). Jesus não diz que alguém não pode se sobressair como discípulo se olhar
para trás, mas que tal pessoa não pode ser seu discípulo em hipótese alguma. É
hora de levarmos essa afirmação a sério. Para ser um seguidor de Cristo, não há
lugar algum para hesitação, distração ou lamento. “Quão penetrante é esse teste
para aqueles que professam ser cristãos!... A religião é tudo, ou nada. Aquele que
não está desejoso
de sacrificar tudo
pela causa de
Deus, não está
realmente desejoso de sacrificar nada”.
Escreve
Matthew Henry: “Se tu olhas para trás, para uma vida mundana outra vez, e suspiras
por ela; se tu olhas para trás como a mulher de Ló o fez para Sodoma, que
parece ser aludido aqui, não estás apropriado para o reino de Deus... Aqueles
que começam com a obra de Deus têm
que resolver prosseguir
com ela, ou
não farão nada
dela. lhar para
trás predispõe a recuar, e recuar é para a perdição. Não estão aptos
para o céu aqueles que, tendo postos suas faces em direção a ele, desviam o
olhar para o derredor. Mas aquele, e somente aquele, que
perseverar até o fim, será
salvo”.7 A religião
deve ser tudo
ou nada. Deve permear e dominar toda parte do
pensamento e da conduta; de outro modo, nossa fé não é genuína.
Encontro
pessoas que acham que as diferenças religiosas podem ser postas de lado de uma
forma que não possam afetar nossas relações com os outros. Mas, se os
compromissos religiosos são em definitivo, como o devem ser, então qualquer
relacionamento não afetado por tais compromissos deve ser notavelmente
superficial. Se uma pessoa é capaz de ter uma relação pessoal
profunda com uma outra de
religião diferente, somente
pode significar que nenhuma delas está realmente devotada à
sua respectiva fé. Um cristão que tem compromisso com o Senhor
Jesus terá toda
porção de sua
vida dominada por
sua fé. Para
se ter um relacionamento mais do que superficial com
um não-cristão, seria necessário então transigir para a
outra parte. E
ter a mais
profunda espécie de
relação com tal
pessoa, como no casamento, não é permitido pela Escritura
em absoluto.
Repetindo, somente
comprometendo sua fé é possível
a um cristão
professo (digo professo, visto que
os cristãos de
fato certamente não
comprometerão sua fé)
ter uma profunda relação com um
não-cristão. Isso porque, uma vez que eles foram além de um nível superficial
de interação, a inimizade entre as duas cosmovisões opostas tornar-se-á por
demais óbvia. Mas, se transigir não é uma opção para o crente genuíno, então, a
menos que o não-cristão se converta (a única espécie de “transigência” que o
cristão deve aceitar dos outros no final
das contas), nenhuma
comunicação verdadeiramente significante
é possível. O não-cristão rejeita
o que o
cristão crê acerca
das questões mais profundas
da vida, enquanto o cristão não pode aquiescer ao
ponto-de-vista do não-cristão.
É
Jesus quem diz: “Não pensem que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas
espada. Pois eu vim para fazer que ‘o homem fique contra seu pai, a filha
contra sua mãe, a nora contra sua
sogra; os inimigos
do homem serão
os da sua
própria família’” (Mateus 10:34-36). Haverá conflitos entre
cristãos e não-cristãos.
Os genuínos compromissos religiosos não são algo que
possam ser postos de lado. De outro modo, por que os incrédulos que afirmam
desejar comunhão conosco
recusam-se a converter
ao cristianismo? Assim, contrariamente ao que dizem, eles
reconhecem que importam sim os compromissos religiosos, e que
o que alguém
crê acerca das
questões últimas é mais importante
até do que os
relacionamentos familiares. A
diferença é que
eles são hipócritas
acerca disso —
muitos incrédulos que dizem
que valorizam os
relacionamentos gostariam de
nos por à
parte dos princípios bíblicos,
enquanto se apegam às suas próprias religiões e cosmovisões.
Um teólogo
observa que somente Deus
já exigiu dedicação
total da parte
dos seres humanos da maneira que Jesus o faz em nossa passagem.
Justamente! E isso é o que devemos ter em mente, que, quando estamos lidando
com Jesus Cristo, estamos decidindo sobre nossas vidas em
relação com alguém que nada mais é
do que
o próprio Deus.
Nossa presteza em segui-lo, portanto, reflete nossa atitude
para com Deus — pois ele é Deus.
Muitas pessoas
que garantem seguir
a Cristo estão
mentindo acerca disso
— estão usando sua
profissão cristã como
uma capa para
ocultar suas próprias
aspirações pessoais. Continuam a
perseguir seus próprios
planos egoísticos, só
que, agora, escondem
suas verdadeiras intenções descrevendo seus estilos de vida como sendo
para o bem do reino. A maioria da pregação contemporânea dilui a mensagem
bíblica nesse assunto, e serve apenas para alimentar o problema. O chamado de
Cristo ao discipulado exige a transformação e a dedicação da pessoa como um
todo.
Com
a igreja contendo tal mistura de verdadeiros e falsos discípulos, como podemos distingui-los
uns dos outros? E por qual padrão devemos examinar a nós mesmos? Jesus nos dá uma
resposta direta em
João 8:31: “Se
vocês permanecerem firmes
na minha palavra, verdadeiramente serão
meus discípulos”. O
discipulado genuíno é
caracterizado por ouvir, compreender e obedecer aos preceitos
divinos. Quem crê e obedece à palavra de Deus será salvo por ela, mas quem a
rejeita será por ela destruído. “As [sementes] que caíram em boa terra são os
que, com coração bom e generoso, ouvem a palavra, a retêm e dão fruto, com perseverança” (Lucas
8:15) — tal é o verdadeiro discípulo de Cristo, que possui uma fé que obedece e
persevera.
Como
mencionado no início, há vários textos bíblicos que precisaríamos estudar para o nosso
entendimento do discipulado
cristão ser completo.
Entretanto, nenhuma daquelas passagens remove
as condições acima
expostas; antes, apenas
fazem exigências adicionais sobre as vidas daqueles a quem
Deus chama. No mínimo, então, temos que seguir a Cristo sem reservas, demora ou
lamento. Devemos segui-lo aonde quer que ele nos conduza, mesmo para lugares
e situações que
não esperamos. A
obra do reino
deve ser nossa
prioridade máxima. E não devemos olhar para trás uma vez que tenhamos
nos esforçado por esse estilo de vida, como se anelando pelo que outrora
tínhamos, ou pelas vidas que outros que não o seguem tenham.
Quantos daqueles que
professam a Cristo
o seguem dessa
forma? Ser discípulos autênticos
não pode ser
nada menos do
que isso. Por
conseguinte, lute para
se certificar de seu lugar no
reino — pare de enganar a si próprio — para que seu trabalho para Cristo não
venha a ser em vão.
Fonte: PIEDADE
COM CONTENTAMENTO, Vincent Cheung, Publicado originalmente por Reformation
Ministries International
Tradução: Vanderson Moura da Silva
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