Por John Frame
Será que Deus causa as nossas decisões? Algumas
delas? Nenhuma delas? Outra hora, discutirei a natureza da responsabilidade e
da liberdade humanas. Mas aqui devemos encarar o fato de que as nossas decisões
não são independentes de Deus e, que, portanto, a nossa definição de liberdade
deve ser, de algum modo, consistente com a soberania de Deus sobre a vontade
humana.
Na nossa avaliação da história da redenção, vimos
que Deus causou as decisões livres de certas pessoas, como a dos irmãos de José
(Gn 45.5-8), Ciro (Is 44.28) e a de Judas (Lc 22.22; At 2.23,24; 3.18; 4.27,28;
13.27). Portanto, não devemos nos deixar influenciar preconceituosamente pela
idéia não-bíblica, mas popular, de que Deus nunca predestina as nossas decisões
livres.
Ademais, vimos que Deus decreta os acontecimentos
da natureza e os acontecimentos da nossa vida cotidiana. Como seria possível
que tamanho envolvimento divino na nossa vida não acabasse por influenciar
profundamente as nossas decisões? Deus nos fez, por dentro e por fora. Para nos
fazer como somos, ele precisou controlar a nossa hereditariedade.
Assim sendo, ele nos deu os pais que temos, e seus pais e os pais deles. E para
nos dar nossos pais, Deus precisou controlar muitas de suas decisões livres
(como a decisão livre dos pais de Jeremias para se casarem) e os de seus pais e
avós, etc. Além disso, vimos que Deus nos colocou no nosso ambiente, em
situações que requerem de nós certas decisões. Ele decide quanto tempo iremos
viver e faz acontecer nossos sucessos e fracassos, mesmo que esses
acontecimentos dependam habitualmente de nossas livres decisões, em acréscimo a
fatores externos.
Negativamente, os propósitos de Deus excluem muitas decisões livres que seriam,
de outra maneira, possíveis. Visto que Deus havia planejado levar José ao
Egito, os seus irmãos não estavam, num sentido importante, livres para o matar,
mesmo tendo, a certa altura, planejado fazê-lo. Golias também não podia matar
Davi, nem Jeremias poderia ter morrido antes de nascer. Os soldados romanos
também não podiam quebrar as pernas de Jesus quando ele estava pendurado
naquela cruz, pois os profetas de Deus haviam declarado algo diferente.
No entanto, além dessas inferências, as Escrituras nos ensinam diretamente que
Deus causa as nossas decisões livres. Ele não somente predestina o que acontece
conosco, como também o que escolhemos fazer.
A origem da decisão humana é o coração. Jesus diz que tanto as coisas boas
quanto as más vêm do coração (Lc 6.45). Porém, esse coração está sob o controle
de Deus: "Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do
SENHOR; este, segundo o seu querer, o inclina" (Pv 21.1). Certamente, como
já vimos, é isso o que Deus fez com Ciro. Isso também é o que ele fez com o
Faraó do Êxodo (Rm 9.17; cf. Êx 9.16; 14.4).
Deus dirige o coração, não somente de reis, mas de todas as pessoas (SI 33.15).
Assim, ele controlou não somente o coração de Faraó, mas também o de todo o
povo egípcio, dando a eles uma disposição favorável aos israelitas (Ex 12.36).
A Escritura ressalta que essa mudança foi obra do Senhor. Ela menciona que Deus
havia predito esse acontecimento no seu encontro com Moisés na sarça ardente
(Ex 3.21,22).
Deus, que forma os propósitos do nosso coração, também decide os passos que
devemos dar para cumprir esses propósitos:
O coração do homem traça o seu caminho, mas o
SENHOR lhe dirige os passos. (Pv 16.9; cf. 16.1; 19.21)
De acordo com muitas passagens das Escrituras, Deus
controla as nossas decisões e atitudes livres, predizendo frequentemente essas
decisões muito antes de elas ocorrerem. Ele declarou que, quando os israelitas
subissem a Jerusalém para as festas anuais, as nações inimigas não cobiçariam a
sua terra (Ex 34.24). Deus estava afirmando que controlaria a mente e o coração
daqueles pagãos para que, naquelas ocasiões, não causassem problemas ao povo de
Israel.
Quando Gideão liderou o seu pequeno exército contra o acampamento midianita,
"o SENHOR tornou a espada de um contra o outro, e isto em todo o
arraial" (Jz 7.22). Durante o exílio, Deus "fez" um chefe
oficial babilônico "conceder a Daniel misericórdia e compreensão" (Dn
1.9). Depois do exílio, o Senhor "os tinha alegrado, mudando o coração do
rei da Assíria a favor deles (Israel)" (Ed 6.22).
No momento da crucificação de Jesus, os soldados decidiram livremente lançar
sortes sobre a túnica de Jesus, em vez de rasgá-la. No entanto, Deus havia
predestinado essa decisão: para se cumprir a Escritura: Repartiram entre si as
minhas vestes e sobre a minha túnica lançaram sortes. (Jo 19.24, citando SI
22.18; cf. Jo 19.31-37).
O argumento de João foi que Deus não só sabia antecipadamente o que iria
acontecer, mas, mais propriamente, que o acontecimento se deu para que as
Escrituras pudessem ser cumpridas. De quem era a intenção de cumprir a
Escritura por meio desse acontecimento? A causa primária da decisão dos
soldados não foi a intenção deles, mas a intenção de Deus.
Os evangelhos afirmam, repetidas vezes, que certas coisas aconteceram para que
as Escrituras se cumprissem. Muitos desses acontecimentos envolviam decisões
livres de seres humanos (veja p. ex., Mt 1.20-23; 2.14,15, 22,23; 4.12-16). Em
alguns casos, seres humanos (tais como o próprio Jesus em 4.12-16) podem ter
tido a intenção consciente de cumprir as Escrituras. Em outros casos, eles não
tinham essa intenção ou nem mesmo sabiam que estavam cumprindo as Escrituras
(p. ex., Mt 21.1 -5; 26.55,56; At 13.27-29). Em todo caso, as Escrituras devem
ser cumpridas (Mc 14.49).
O quadro que é formado por essa grande quantidade de passagens é que o
propósito de Deus está por trás das livres decisões dos seres humanos.
Frequentemente, e por vezes muito antes de o acontecimento ocorrer, Deus nos
diz o que um ser humano decidirá livremente o que vai fazer.
O ponto aqui não é meramente que Deus tem conhecimento antecipado de um
acontecimento, mas que ele está cumprindo o seu próprio propósito por meio
dele. Esse propósito divino transmite uma certa necessidade (Gr. dei, cf. Mt
16.21; 24.6; Mc 8.31; 9.11; 13.7,10,14; Lc 9.22; 17.25; 24.26) à decisão humana
para que realize o acontecimento predito.''
Fonte: Josemar Bessa
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